terça-feira, 28 de setembro de 2010

Naquele dia, la estava ela, dançando, estranhando aquele fim de festa em que ninguém parecia saber o que ainda fazia fora de casa, inclusive ela. Tinha bebido mais do que pretendia e tentava fazer parecer que tudo estava como de costume. Ele aproximou-se singelamente. Oi, tudo bem? Olhe, acho melhor voce conhecer uma de minhas amigas porque se voce me conhecer agora, voce não vai estar me conhecendo porque eu não sou como estou. Estava confusa. Se não posso te conhecer agora, me de seu telefone para eu te conhecer outra hora. Ela deu o numero do telefone. Quer que eu pegue um copo de agua pra voce? Obrigada. O coração dela estava fechado, não queria se envolver. Qualquer coisa que ele fizesse a desegradaria, mas por algum motivo ele a agradou. Dispensei minha carona pra ficar mais aqui com voce. Eu estou de carona, mas estou com tanto sono, que so queria estar em casa... Se quiser, pode encostar no meu ombro. Ela encostou, fechou os olhos sem saber por quanto tempo, acordou e o beijou. Voltou para casa sem entender porque havia beijado-o. Saiu com ele nos dias seguintes sem entender o motivo, até que percebeu que ele era tão cheio de atitude e tão doce ao mesmo tempo, que nem a sua indisponibilidade para um relacionamento daria conta de impedir o envolvimento. Poucos dias se passaram e ela se viu apaixonada pelo sorriso, pela criatividade, pelo bife em forma de coraçao durante um jantar. Estava impressionada com a tranquilidade, com a simpatia, com a inteligencia. Gostava do jeito que ele a tocava, gostava da vontade de ve-la, gostava das mensagens que mandava para ela. . Ao mesmo tempo, não entendia porque ele lhe dava tanto. Por que voce se interessou por mim? Ja tinha lhe visto antes, mas voce estava acompanhada, embora voce não goste que diga isso, lhe achei muito meiga. Ela realmente não gostava de ser meiga porque procurava ser outras coisas. Agora que voce me conhece, por que continua interessado em mim? é que agora so consigo pensar 'esta realmente acontecendo'. Desde então o pensamento dela era nele. Passeios, intimidade, sorrisos, tempo juntos. Os cantos da casa dela ganharam outra graça, e no quarto dele, ela se sentia cada vez mais à vontade. Gostava que ele fosse grande e ela pequena. Gostava das coisas que ele ensinava. Gostava de ve-lo o tempo inteiro cantando. Gostava de ouvir das pessoas que ele era com ela como não era com ninguém. Gostava tanto dele e nem sabia se ele entendia quanto. Mas chegava a hora dela paritr. Coração partido, com certeza. Ele deu a blusa dele para ela dormir, como fazia na casa dele. Ela deu o colar que trazia lembranças. Na despedida, o olhar dele atento nela. Abraço apertado, beijo timido e a unica coisa que ela falou: não se esqueça de mim.

sábado, 7 de agosto de 2010

E depois de um relacionamento de anos, restaram encontros esporádicos. Mas agora, como amigos. Ele ainda falava com Alice com aquele carinho de quem quer dar proteção, ela, falava com o desconforto de quem tem muitos sentimentos misturados. Existia principalmente a saudade das coisas boas, dos agradáveis momentos do dia-a-dia, mas ela vinha acompanhada de uma tristeza pelo entendimento de que a relação amorosa havia acabado. Alice chorou por isso contentando-se com o fim. Tinha que se conformar que, embora tivesse que lidar com o fim do amor, tinha conseguido o que queria. Sem ele em sua vida, sem a forma como tinham estabelecido a relação, Alice teria a liberdade de usufruir dos seus planos de vida, do que quisesse produzir. Deixaria de ser a princesa dele para ser o que quisesse ser. No caminho em que seguiam, logo a vida estaria definida: lar, casamento, filhos. Mas, quando Alice se perguntava o que queria da vida, sempre lhe vinham planos de conhecer novos lugares, aprender coisas novas, descobrir em si novos prazeres e aptidões. Por ele, restava ainda a admiração, sorrisos quando lembrava das tantas coisas boas que viveram e aquela tristeza porque não viveriam mais o mesmo caminho. Voltou à antiga casa que agora era só dele e sentiu a diferença: decoração sóbria. Ela não estava mais lá.

domingo, 11 de julho de 2010

Saiu contente. Estava determinada a se divertir. Duas bebidinhas. Sorria mais que normalmente, embora não sorrisse pouco. Era só atrevessar a rua mas nunca tinha ido àquele lugar. Naquele dia foi. Não demorou e ele se aproximou. Ficou surpresa, mas depois ele explicou. Você já tinha olhado para mim quatro vezes. Foi? Conversaram. Nome diferente o dele... Ela era ruim em guardar nomes. Conversaram. Cada um foi para um lado. Ele passou de novo por ela. Não lembro seu nome. Ele repetiu. Posso te beijar? Enquanto ela pensava, ele beijou. Ela gostou. E agora me diga, qual o meu nome? Ela não lembrava. A mesma bebidinha que a deixava mais solta, também suspendia a atenção. Ele não se ofendeu, repetiu novamente. Pegou na mão dela. Ela gostou. Beijaram. dançaram. falaram. Era bom estar na companhia dele. Essa é a última bebida, depois, vamos para o meu hotel. Não posso. Por que? Não devo. Ele era artista, viajando com o espetáculo, livre. Ela era a mesma pessoa tentando saber quem era, tentando livrar-se dos medos, tentando viver coisas novas mas sem tanta coragem. A festa acabou. Vamos comigo? Ela pensava e não lhe vinham motivos para não ir. Era isso que ela queria, coisas nunca feitas. O superego dela apareceu na forma da vó. Minha vó me condenaria. Deixe sua vó quietinha. Ela o achava engraçado. Era interessante. Gostava dele poder falar dele. Para ela era muito fácil falar de si, mas nem sempre percebia isso nas pessoas. Amanheceram. Ele ia embora no dia seguinte, voltaria, e iria embora de novo. Ligou. Ela gostou. Quatro dias depois, almoçaram juntos. Era bom estar com ele. Ela entendeu. Ele queria ser menino e ela, queria ser adulta. Apesar de terem a mesma idade, se desencontravam no tempo porque, no fim das contas, ele era mais adulto que ela, dono de seus desejos, e ela, menina, ainda os procurando. À noite, lindo espetáculo. Para ela, era tão fácil identificar-se com aquelas palavras, aquelas músicas. Ele era cheio de gente, amigos artistas. Isso a deixava mais tímida. Ao mesmo tempo, ela os achava interessantes. Gostaria de ter sido mais simpática. Ao invés disso, como de costume, passava-se de mal-educada por conta da timidez. Podia tê-los cumprimentado. Mas ela podia tantas coisas que não fazia. Podia pensar menos. Podia fazer mais. É estranho ser carinhoso com quem se tem pouca intimidade, mas com você é fácil. Ela gostava do que ele falava. Conversavam. beijavam. as mãos dela formigando. Ele adormeceu respirando sua nuca. Chuva no ouvido. pés nos pés, corpos encobertados. No dia seguinte, ela mostrou-lhe um lugar bonito. Passeio emocionante. Ela também não conhecia alguns aspectos da cidade. Caminhava pouco por ela. Era bom conversar com ele. Gostei de te conhecer, pena você ir embora. E o espetáculo à noite? Você quer que eu vá? Eu quero sempre, só não quero ter que te convencer. Ele a convocando ao lugar de sujeito e ela insistindo no lugar de objeto. Ela foi, sozinha, mas foi. Gostava do que apresentavam: leveza, encontros. "Você voltaria no tempo e mudaria alguma coisa?". Ela não queria ter que pensar naquele momento quando ouvisse essa pergunta. Ele disse que gostou dela ter ido. Beijaram-se como se fossem se ver na hora seguinte, mas não se viram. Despedida delicada. A vida dela voltaria ao normal. Sem aqueles sorrisos grandes tão constantemente, sem os passeios de mãos dadas com ele, sem aquelas olheiras de noite perdida, mas com boas lembranças.
Ficaram juntos durante alguns anos. Nos primeiros, havia muita paixão. Rápido, muito rápido, havia amor. Ela sentia-se a pessoa mais amada do mundo. A convivência era perfeita. Era, literalmente, uma vida de flores. de mimos. de brincadeiras. de surpresas. Com ele, teve a certeza de que poderia ser amada por um homem. Ele já entrou em sua vida amando-a. Ela quiz amá-lo, mas não foi difícil, ele era encantador. A pessoa mais doce que Alice já havia conhecido. Ela até achava que viviam à parte do mundo real, e, no início isso lhe parecia interessante. More comigo, case comigo, seja só minha. Alice já era dele. Só queria que ele entendesse que podia gostar das outras coisas do mundo também. Entendeu. Ele entrou em seu mundo e cativou as pessoas de uma forma que nem ela esperava. As palavras seriam poucas para descrever como foram felizes. Viajaram. planejaram. amaram. E acabou. Não interessa procurar o momento exato. Não adianta procurar que defeitos dele ela achava mais grave. Algumas coisas acabam. Dão certo por um momento. Acabam. Agora, Alice queria outras formas de viver. Talvez no mundo real. Precisava deixá-lo sair de sua vida. Deixá-lo amar outra pessoa. O amor que ela tinha para dar não podia mais ser destinado a ele. Era tão difícil deixá-lo. Era abrir mão de quem fazia o impossível para vê-la sorrir. Era dar adeus para quem amava cada parte do seu corpo. De quem a achava impressionante o tempo todo: ora bela, ora inteligente. Era perder a doçura que ele dava à vida. Era hora de ir embora. O que levar? Levava o choro que vem com a decisão que é difícil tomar. Levava algumas roupas. Levava as fotos. Experiência de vida. Levava, mas deixava tanto... Deixava as cores da casa que ela escolheu, as paredes cheias de foto como ela gostava, a manta colorida para o sofá que ele não apreciava. Deixava o cachorro, os planos de felicidade naquela vida, as músicas cantadas juntos. Deixava o anel. E, junto com tudo isso, deixava o que mais lhe faria falta, ele. Ganhava saudade, possibilidades... E o tempo, o mesmo que faz esquecer as coisas ruins e sobrar as boas, faz também esquecer as coisas boas depois. A vida dela agora era sem ele, coisa que ela queria, mas que temia também. Ainda digeria o luto dessa perda. De tempos em tempos um pouco mais.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Não se preocupava com a morte. Isso não passava pela sua cabeça porque pensava mais na vida. Esta era muito mais interessante para ela. Se houvesse ou não algo além da vida, pouco lhe interessava. Talvez, ser criada por um pai que dizia que o que importava a ele era o que tinha feito e vivido, tivesse contribuido para esse entendimento. O fato é que, nos últimos tempos, perguntava-se "para que viver?". Pensava no que fazer dos seus dias. Era muita angústia e o pensamento de morte e o pensamento de vida, até Alice perceber que cada pessoa vive para uma coisa. Uns nascem para crescer, reproduzir e morrer. Outros para produzir, outros para amar, outros para aprender, outros para jogar a vida fora. Uns para fazer dinheiro, uns para fazer sonhos, uns para não fazer nada. Alguns são leves, alguns são pesados... Foi pensando na possibilidade da morte que Alice lembrou do que a mãe disse num desses momentos de felicidade para ela: para que morrer? É que a vida parecia tão boa naquele momento que até poderia ser eterna.Alice sorriu. Apesar de saber que algumas pessoas desistem da vida, sentiu-se autorizada a viver. Para que viveria? Sabe que a vida lhe parecia dura, mas bonita. Gostaria de viver fazendo arte. Achou que por esse motivo valeria a pena viver. Nada do que se faz, se leva, mas a arte sobrevive. Permanece em cada pessoa que foi tocada pela mensagem. Ainda que toque apenas uma pessoa, sobrevive em cada próximo fruto por quem se iluminou da arte de alguém. Uma pessoa que usou uma cor porque determinada palavra que ouviu germinou-a. Ou a palavra que veio inspirada por uma melodia que um estranho qualquer ouviu numa caminhada de fim de tarde a flutuar em algum lugar. Tudo isso é eterno, ela sabia. Ainda que Alice vivesse sem arte nenhuma fazer, gostaria de viver, mesmo que só para admirar.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nos últimos meses, Alice havia envelhecido anos. Sentia-se diferente. A primavera chegara e ela ainda não conseguira olhar as flores. Estava atenta à vida. Sempre tentou evitar os riscos e, por isso, viver era algo quase como colar os cacos de um copo de vidro. De pouco em pouco, com cuidado para não se cortar. Tudo lhe causava medo, todo cuidado era pouco para não se ferir. Amava em silêncio, aparecia pouco, desejava pouco, falava pouco. Nos últimos meses, mais do que nos últimos anos, quando Alice já podia revelar-se, amou mais, feriu-se mais, falou mais. Agora, quando sorria, Alice fazia mais consciente do mundo. Sabia que se seu sorriso era doce, tratava-se de uma doçura diferente. Entendia a vida de outra forma. Sonhar com o vestido que usaria, ou com tudo que poderia fazer caso nada pudesse lhe impedir, ou com a viagem dos sonhos, ou com um amor antigo, ou com tantas outras coisas possíveis naquele mundo que às vezes era tão inacessível aos outros, lhe parecia bobagem. Nada lhe resgataria do País do de Verdade para seu antigo país. Agora, compreendia a vida de outra forma, e, para ela, esta era uma sucessão de dias mais ou menos felizes, com mais ou menos dificuldades, com alegrias e tristezas. Embora soubesse que o mundo não é cor-de-rosa, sempre evitou olhar para as tristezas. Preferia continuar colando o copo. Quando Alice se mudou de país, se permitiu jogar o copo no chão. Ficou com raiva numa discussão, deu um último gole e quebrou com pouca culpa. Nem os cacos recolheu. Sabia que era inevitável olhar para as coisas tristes da vida pois elas de fato existiam e também faziam parte do dia-a-dia. Alice aprendeu a enfrentar os medos, a ser mais tolerante com as pessoas realmente importantes. Aprendeu que não se tem poder sobre todas as coisas da vida e que ela própria não é um copo. Aprendeu que as coisas complexas não chegam sozinhas e que as coisas simples estão disponíveis. Olhou as flores que começavam a sair. Viu uma praça, um cachorro e vários pombos. Os pombos a insistirem nas migalhas, o cachorro a insistir nos pombos. O ônibus fez uma curva e o chapéu do senhor vôou. Olhou um menininho contando história para um bebê de colo e o bebê sorrindo. O mundo estava igual. Alice estava diferente.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Alice dançou. Há tempos não dançava... não suava... Dançou. Seus braços e pernas pareciam se entender. Um podia ir só. O outro podia ir acompanhado. Os dedos movimentavam-se, as mãos, o corpo. O corpo encolia e logo estava livre. Fechava e logo estava novamente feliz. O braço ia longe e podia alcançar o que Alice nem sabia, mas com certeza podia alcançar. O corpo paquerava Alice, como se dissesse o que Alice tinha esquecido. Os pés percorriam parados. O pescoço rodava. Deitada. Sentada. Podia sentir-se livre. A música era singela e pouco ela ouvia porque o que ela sentia de verdade era a si própria. O corpo ia para um lado e levemente passava para o outro. Espreguiçava, dançava. Não era ballet, não era nada que pudesse dizer o que tinha de ser. Era apenas o que Alice queria. Apenas isso. Braços que sobem, dedos que escrevem o ar num dialeto incompreensível. Se Alice estivesse falando naquela hora, se estivesse mudamente falando, podia bem entender. Falava que o corpo que estava anesteziado, agora dançava. Falava que gostava quando os olhos eram pintados, ou quando as unhas estavam vermelhas. Falava que gostava de cor. Falava que gostava de vento, de suor, embora só com muito esforço, Alice conseguisse suar. Seu cheiro era só quando acordava. Um cheiro bom de sono. Às vezes ela podia sentir. Quando suava, cheirava a água. Naquela hora, sentia os cabelos passarem pelo rosto levemente. Passavam pelo queixo, pelos olhos. Nunca tinha sentido como eram tão finos... Gostou de não tê-los encolido. O vento mal tocava a nuca. Ponta do pé. Perna esticada. Barriga. Braço alongado. Dobrava-se. Era um origame ansioso, que ora estava de um jeito, ora de outro. O corpo de Alice falava e ela mal tinha ouvido. Agora, ouvia. Dizia que queria ser percebido, reclamava atenção de Alice. O que ela podia fazer para reconciliar-se? A resposta era simples: precisava ouvi-lo.